Wednesday, May 21, 2008

a volta para casa

Ônibus lotado. Cansada e aflita para chegar em casa, resolvi encarar. A bolsa pesava, o ônibus enchia mais, o trânsito piorava e eu exausta prestes a explodir. Um senhor educado pediu para segurar minha bolsa, aceitei e num tom de alívio disse “Obrigada”. Ao seu lado um distante rapaz estava sentado. Olhando fixamente pela janela, observando as cores da noite. Ao voltar a atenção para o senhor ao seu lado, viu a minha bolsa, e em um existindo de curiosidade foi mexer. O senhor o reprimiu e apontou para mim, como quem dissesse: “É dela”, o Sr. Curioso olhou para mim e riu, um riso tímido que eu retribui.

A partir daquele instante sorrisos e olhares eram correspondidos, um tanto quanto tímidos, querendo ganhar confiança, mas existiam. Depois de um tempo, o território já conquistado, me vi em um ônibus lotado na hora do rush trocando caretas e piscadas de olho com aquele menino curioso. Ensinei-lhe a fazer peixinho com a boca e ele me ensinou os exercícios da fonoaudióloga. A primeira coisa que me perguntou, com dificuldade, foi aonde eu morava, e daí pra frente veio uma enxurrada de perguntas. “Você tem namorado?” “Você tem filho?” “Você sabe dirigir?” “Você tem irmão?”.

E me mostrou o seu nome. Matheus. Não falou, pegou seu cartãozinho e me mostrou, Matheus. Disse que estava na escola e que estava aprendendo a ler. Perguntei sua idade, e ele me mostrou sete dedos. Ai perguntei: “Quantos anos você acha que eu tenho?”, ficando com vergonha disse trinta e eu dizendo que estava muitooo frio, chutou vinte e um. Ficou todo bobo por ter acertado. Foi quando apontou para rua. E o senhor ao seu lado, seu pai, me explicou que eles já estavam chegando próximo de casa. “Quem será o primeiro a descer”, falei. E quando viu que seria ele o primeiro, alegre repedia “Sou o primeiro! Sou o primeiro!”. Ele ganhou. Dei tchau e ele sorriu.

Matheus, 7 anos, com deficiência auditiva e problemas na fala, alegre, esperto e brincalhão, que fez da minha volta pra casa uma grande brincadeira.

=)

Monday, May 19, 2008

Desdobramentos de 68

O PCI aos jovens! (Notas em verso para um poema em prosa),
Pier Paolo Pasolini
(trechos)


Sinto muito. A polêmica contra
o PCI tinha que ser feita na primeira metade
da década passada. Vocês meus filhos, estão atrasados.
E não importa que vocês não tivessem ainda nascido...
Agora os jornalistas do mundo inteiro (inclusive os da televisão)
ficam puxando (como acho que ainda se diz na linguagem das universidades)
o saco de vocês. Eu não, meus amigos.
Vocês têm cara de filhos de papai.
Odeio vocês como odeio seus pais.
Filho de peixinho, peixinho é.
Vocês têm o mesmo olhar maligno.
São medrosos, inseguros, desesperados
(ótimo!), mas também sabem como ser
prepotentes, chantagistas, convencidos, descarados:
prerrogativas pequeno-burguesas, meus amigos.
Ontem no Valle Giulia, quando vocês brigavam
com os policiais,
eu simpatizava com os policiais!
Porque os policiais são filhos de gente pobre.
Vêm das periferias, rurais ou urbanas que sejam.
Quanto a mim, conheço muito bem
seu jeito de terem sido crianças e rapazes,
as preciosas mil liras, o pai que também continuou sendo um rapaz,
por causa da miséria, que não confere autoridade.
A mãe calejada como um carregador, ou delicada,
devido a alguma doença, como um passarinho;
os irmãos todos;
(...)
E depois vejam como os vestem: como palhaços,
com aquele pano grosseiro que fede a rancho,
caserna e povo. O pior de tudo, naturalmente,
é o estado psicológico a que são reduzidos
(por umas quarenta mil liras ao mês):
nem um sorriso mais,
nem amizade alguma com o mundo,
separados,
excluídos (numa exclusão que não tem igual);
humilhados pela perda da qualidade de homens
em troca da de policiais (ser odiado faz odiar).
Têm vinte anos, a idade de vocês, meus caros e minhas caras.
Estamos obviamente de acordo contra a instituição da polícia.
Mas voltem-se contra a Magistratura, e vocês vão ver!
Os jovens policiais
que vocês por puro vandalismo (de nobre tradição
herdada do Risorgimento) de filhos de papai, espancaram
pertencem a outra classe social.
No Valle Giulia, ontem, tivemos assim um fragmento
de luta de classes: e vocês, meus amigos (embora do lado da razão)
eram os ricos, enquanto os policiais (que estavam do lado errado)
eram os pobres.
Bela vitória, portanto, a de vocês! Nestes casos,
aos policiais se dão flores, meus amigos.
Popolo e Corriere della Sera, Newsweek e Monde
Puxam o saco de vocês. Vocês são os filhos deles,
a sua esperança, o seu futuro...
(...)
É isso, caros filhos, que vocês sabem.
E que aplicam através de dois sentimentos irrevogáveis:
a consciência dos seus direitos (como se sabe a democracia
só leva em conta vocês) e a aspiração
ao poder.
Sim, as suas palavras de ordem versam sempre
sobre a tomada do poder.
(...)
Vocês ocupam as universidades,
mas suponham que a mesma idéia ocorra
a jovens operários.
Nesse caso,
o Corriere delle Sera e Popolo, Newsweek e Monde
procurariam com a mesma solicitude
compreender os problemas deles?
A polícia se limitaria a levar umas pancadas
dentro de uma fábrica ocupada?
Trata-se de uma observação banal;
e constrangedora. Mas sobretudo inútil:
porque vocês são burgueses
e portanto anticomunistas...
(...)
Falando assim,
vocês pedem tudo com palavras,
ao passo que com os atos, vocês pedem só aquilo
a que têm direito (como bons filhos da burguesia que são):
uma série de reformas inadiáveis
a aplicação de novos métodos pedagógicos
e a renovação de um organismo estatal.
Bravo! que nobres sentimentos!
Que a boa estrela da burguesia proteja vocês!
(...)